segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Questões sobre o BRT: O passado (Pan-2007) recomenda atenção com o legado de 2016

BRT de Bogotá apresenta sinais de saturação (crédito: Arquivo)
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*Luiz Martins
postado em 06/02/2012 14:28 h
atualizado em 06/02/2012 14:40 h
É fora de dúvida que a oportunidade de o Rio sediar os Jogos Olímpicos e integrar a rede de cidades do programa da Copa do Mundo abriu para o município, e a região metropolitana do seu entorno, excepcionais perspectivas de intervenções urbanísticas estruturais. Implementadas de fato, tais modificações no perfil de ocupação e uso territorial têm inegável potencial para atacar crônicas demandas urbanas. No entanto, é fundamental não cair em atraente (e cômoda) armadilha determinista, segundo a qual projetos e promessas, uma vez anunciados, teriam, por si só, o mágico poder de transformar a vontade em realidade. Em outras palavras, este é um momento que exige do poder público planejamento e trabalho sério, em vez de submissão a uma panaceia.
Tomemos como exemplo as anunciadas alterações no sistema viário e no programa de transportes de massa, especialmente a implantação do Bus Rapid Transit (ou BRT). Sua adoção pode representar uma revolução na oferta de serviços para a população. Consiste, em linhas gerais, na criação de vias exclusivas para ônibus, geralmente articulados e com pontos fixos. O trânsito por pistas segregadas facilita o planejamento da operação do sistema, com a implantação de “linhas inteligentes” de acordo com a demanda de cada área atendida. É uma opção moderna, ademais da vantagem de reduzir a agressão ao meio ambiente, no caso da adoção de Energia Limpa (combustível não poluente), como se espera que seja feito no Rio.
"Adotar o BRT sem um efetivo planejamento representará o colapso de uma boa e eficiente solução para os problemas do caos do transporte carioca"
A dúvida em relação ao BRT como alternativa ao caos do transporte de massa decorre menos do sistema que de sua implantação. O ceticismo tem a ver com o software, e não com o hardware, embora se deva observar cuidado também com a operacionalidade do programa a médio e longo prazos. O sistema do Rio é inspirado no BRT de Bogotá, o mais bem-sucedido exemplo de adoção de ônibus articulados posto em prática no mundo nos últimos dez anos. A superação de demandas de curto prazo do transporte de massa na capital colombiana foi espetacular, mas lá o sistema já emite sinais de saturação – e até mesmo já se discute a necessidade de expandir a oferta de serviços para além das vias exclusivas de ônibus articulados. Explicitamente, investir também em novas malhas do metrô, uma opção que, ao menos até onde a vista alcança, aqui no Rio seria desastrosa, em razão dos custos bem mais elevados e, não se pode esquecer, da comprovada (e teme-se que irremediável) ineficiência dos serviços de transporte sobre trilhos do Rio de Janeiro. O BRT deve ser um desafogo do metrô, e não o contrário.
É aqui que fica o cerne da questão. Adotar o BRT sem um efetivo planejamento representará o colapso de uma boa e eficiente solução para os problemas do caos do transporte carioca. Neste particular, o poder público é inteiramente responsável pelo que vier de fato a ocorrer nos próximos anos. E o passado recente não ajuda a desfazer receios. O exemplo mais palpável é o fictício legado do Pan 2007. Mobiliários e equipamentos urbanos construídos sob a – como se veria logo após o encerramento da competição – falsa promessa de que seriam incorporados à cidade como benefícios para a população estão hoje ao abandono. Na verdade, o projeto Pan funcionou com especial perfeição apenas numa ponta – aquela que remunerou as empresas convocadas para o “esforço” de mudar o perfil urbanístico do Rio. Teme-se que essa seja a ponta com a qual, novamente, os organismos oficiais de financiamento estejam de fato se preocupando.
"A superação de demandas de curto prazo do transporte de massa na capital colombiana foi espetacular, mas lá o sistema já emite sinais de saturação"
Fica o alerta. O BRT é opção moderna e com potencial para ajudar o Rio a superar as atuais dificuldades do transporte de massa. Mas o sistema deve ser pensado, prioritariamente, como um benefício para a população, vítima de ônibus, metrô e trens superlotados, desconfortáveis e impontuais. Não podemos permitir que, a exemplo do que ocorreu no Pan, seja uma boa ideia apenas para engordar o caixa de empresas e cevar contas suspeitas. O Rio não pode mais perder o bonde da História.
*Luiz Martins é deputado estadual (PDT-RJ) é integrante da Comissão de Transportes da Alerj. O artigo foi originalmente publicado na edição desta segunda-feira (6) do jornal "O Globo"



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